Cécile de France maravilhosa e dramática, como de praxe; Stacy Martin muito convincente numa participação certeira (e internamente irritante). Não conhecia o artista retratado e, pelo que vi aqui, preferia nem conhecer. Gostei da sua esposa, entretanto. O roteiro é extremamente concessivo em relação aos maus tratamentos contra as mulheres, bem como em relação à objetificação de suas nudezes. Parece uma telenovela, na maneira como as brigas de casal e as injustiças matrimonias se estendem por quase cinco décadas. O protagonista e irritante, mas aparentemente verossímil, no que tange à biografia do artista. A fotografia emula o impressionismo dos envolvidos, logicamente, mas foi a trilha musical de Michael Galasso que fez com que eu suportasse o filme até o final, mesmo detestando-o, em diversos momentos. O diretor parece um cúmplice de tudo aquilo, achei a sua pusilanimidade discursiva sobremaneira reprovável. Mas o filme melhora do meio para o final, deixa a toxicidade adúltera em segundo plano. Ao menos, isso! (WPC>)
Nunca tinha sequer ouvido falar deste filme, e fiquei surpreso ao saber que ele foi tão premiado em Gramado. Não achei que o trabalho do Peréio merecesse mais o prêmio que o Eduardo Tornaghi, este sim impressionante em seu olhar perenemente apalermado/atormentado, além de ter arriscado bastante numa interpretação difícil, em que não esquivou-se (felizmente) das cenas de nudez. Porém, a misoginia do roteiro incomoda: todas as mulheres que aparecem são sexualizadas de maneira perniciosa, por mais pró-pornografia que alguns personagens aleguem ser. Quando lhes convêm, em verdade. Otávio Augusto está ótimo e a breve aparição de Nelson Dantas é marcante. Estranhei o efeito que parecia cartunesco em algumas vozes, mas o desfecho eficiente validou a 'bad trip'. Achei um porre, mas não dispensável, dada a competência de um elenco tão heterogêneo e numeroso. Na pior das hipóteses, uma descoberta! (WPC>)
É um filme difícil, em sua reverência straubiana, mas eu amo cada instante, mergulho na trama como se estivesse a assistir a algo que aconteceu comigo, pessoalmente. O elenco está soberbo, muitas vezes invertendo expectativas quando aos tipos que eles consagraram, em interpretações posteriores, e os diálogos são geniais, dignos de serem anotados, a cada instante. As cenas protagonizadas por Maria Lúcia Dahl são esplêndidas, em sua vocação antonioniana, e a progressão discursiva da seqüência do sindicato é magistral: que trabalho precioso de montagem. Eduardo Escorel estava em estado de graça, bem como o fotografo Affonso Beato. Mas, claro, precisamos falar sobre o desfecho - muito mais em aberto do que o seu impacto visual deixa entrever
: lembremos que o tiro não foi disparado e, como tal, pode ser que o personagem do Peréio tenha se convertido numa versão mais jovem do personagem de Mário Lago, idealista que cansou de estar apaixonado pela política, após infinitas traições.
"Pior que envelhecer é ter boa memória". Genial! (WPC>)
Adentrei o filme sem muitas expectativas, mas fui logo conquistado pela excelente relação de amizade entre os protagonistas: Selma Egrei está maravilhosa e terna (o que renderá uma interessante contradição "estrutural", na discussão do roteiro) e Diderot Senat dota seu complexo personagem da simpatia requerida, estando ciente de que ele reage de maneira eventualmente estouvada a algumas situações. Não gostei do modo como as canções aparecem, em sobreposição às imagens televisivas do desastre no Haiti, mas as composições musicais são bonitas e o letreiro dos créditos finais é sobremaneira oportuno. A diretora surpreendeu-me pela competência e acuidade política: quero ver os curtas-metragens dela também e, claro, prestarei atenção aos seus trabalhos vindouros! (WPC>)
No começo e no final, a diretora percebe que esta lidando com o seu pai, muito mais que com o cineasta prometido nas memórias, e rende-se a estratégias de declaração afetiva que pareceram-me automáticas e sem o vigor esperado (numa comparação com PERSON, por exemplo). Porém, quando o próprio Roberto, em depoimentos antigos, começa a falar sobre o processo de produção de seus filmes, o documentário cresce bastante, torna-se fascinante. Mesmo levando-se em consideração o teor chapa-branca envolvendo os contatos com a ditadura, a trilogia musical com o Roberto Carlos e a fase Embrafilme. Faltou falar sobre um ou outro filme, claro (OS TRAPALHÕES NO AUTO DA COMPADECIDA, cadê?), mas, no final, vale muito a pena conferir este filme: Roberto Farias é, indubitavelmente, um dos grandes de nosso cinema! (WPC>)
Do meio para o final, não cria que fosse gostar, visto que o roteiro realmente forçava a barra para justificar a constância do protagonista em meio àquelas freiras tão carentes quanto exigentes. Mas o elogio à lógica do mutirão foi belíssimo e bem executado. Sidney Poitier está mui desenvolto e as atrizes que interpretam as religiosas germânicas aderem funcionalmente à caricatura. A trilha musical de Jerry Goldsmith é ótima, ficou muito tempo em minha mente, após a sessão. A fotografia valoriza a beleza árida daquela região desértica. Minha mãe é obcecada pelo oscarizado astro, de modo que vi com ela e por ela. Foi uma sessão bacana! (WPC>)
Rob Lowe diverte-se (e diverte-nos) como anfitrião, as explicações e ilustrações através de cenas de filmes são ótimas e o ritmo rápido e a curta duração do filme providenciam uma diversão viável e desinteressada. Porém, se avaliarmos com mais rigor o que é exposto neste filme, percebemos que a exposição destes clichês servem para que eles sejam ainda mais utilizados, tal qual evidenciado no depoimento providencial de Florence Pugh, sobre algo levado a cabo por Greta Gerwig em ADORÁVEIS MULHERES. Hollywood é muito sagaz ao converter a si mesma em assunto, bem como em inserir as novas pautas às suas justificativas enredísticas, de modo que alguns trechos da argumentação soam forçados, como o que diz respeito aos vilões com deformações físicas, por exemplo, onde há uma conveniente inversão entre causas e efeitos. Não se levando muito a sério o que é exemplificado, funciona. Afinal, PÃNICO já fez piada com tudo isso, de maneira inteligente e metaficcional: em sua elaboração minuciosa, este filme é muito mais efetivo, enquanto discurso, que este documentário (risos). - WPC>
Desde que vi o anúncio deste filme, tive imediata curiosidade em conferi-lo, por causa de suas cores exuberantes e da personalidade marcante da protagonista real. Rosalind Russell faz jus às nossas expectativas, numa interpretação célere, apaixonante, encantadora a cada instante... Porém, convenhamos, é muito fácil ser "excêntrica" (e socialmente aceitável, por conta disso) quando se tem muito dinheiro. De modo que as contradições classistas do filme nem sempre se sustentam. Quando o Crack de 1929 é tematizado pelo roteiro, e a protagonista tenta trabalhar, ganha ainda mais a nossa simpatia, não obstante as situações empregatícias pouco verossímeis (risos). É um filme com muitas concessões - intradiegéticas, sobretudo - ao oportunismo, mas que finaliza muito bem: a seqüência de deslegitimação matrimonial aburguesada (e desintelectualizada), próxima ao desfecho, é ótima, inclusive por infringir de maneira acachapante uma regra básica do Código Hays: exibe uma mulher ostensivamente grávida. Eu e minha mãe sorrimos, de modo que a longa duração não chega a ser um problema. Em revisões, intuo que os problemas iniciais deixarão de incomodar tanto: o diretor é mui exitoso na translação de recursos teatrais para a montagem do filme (os escurecimentos graduais de tela, corresponde às saídas de cena, por exemplo). Fofinho, o auê de bilheteria é completamente justificado! (WPC>)
Um trabalho langoroso e automático de um cineasta que, outrora, foi o nosso favorito. Cedendo ao cansaço, ele demonstra-se francamente não à vontade, ao comandar uma trama noutro idioma: os personagens são insuportáveis, é difícil ter algum fascínio ou curiosidade pelo que acontece, quando demonstramo-nos tão antipáticos em relação às pessoas envolvidas. Além disso, é tudo vexatoriamente previsível, inclusive o desfecho pretensamente 'ex-machina', conforme já aconteceu tantas e tantas vezes em abordagens anteriores do diretor. Lou de Laâge é linda, mas insossa em sua caracterização; Melvil Poupaud é um vilão unidimensional, enquanto Niels Schneider não convence como amante fascinado por sua diva, ao longo de décadas. O filme ganha algum charme quando Valérie Lemercier está em cena, mas, ainda assim, não deixa de passar a impressão de pasticho à la Varilux, como sói acontecer em produções contemporâneas francesas. A fotografia caracteristicamente alaranjada do Vittorio Storaro não se coliga ao realismo 'neo-noir' excessivamente iluninado do enredo. Em muitos sentidos, o filme é um fracasso. Mas, paradoxalmente, nem é tão ruim, pois se parece com tantas e tantas produções congêneres: para um autor como Woody Allen, entretanto, esse testemunho de mediania equivale à mediocridade, infelizmente! (WPC>)
Quando vi o 'trailer' pela primeira vez, fiquei arrebatado: intuí que este filme desenterraria alguns de meus traumas, quanto à época em que trabalhei como atendente de telemarketing. De fato, ocorreu. Mas surpreendeu-me como a diretora conjuga dois gêneros distintos na mesma obra: por uma hora, um contundente drama de maturação individual; na segunda metade, uma investigação policial que desencadeia uma denúncia mui contundente da sujeição das instituições sul-coreanas à exploração vilanaz dos indivíduos, sob as bênçãos do neoliberalismo multinacional. As duas protagonistas são ótimas e as situações são mui dolorosas em sua exposição. Para quem sentia falta dos filmes de Alan J. Pakula, um ótimo despertar desse tipo de trama investigativa, que assume um espelhamento de cariz feminino mui doloroso: a cena final é devastadora! A despeito da duração estendida, acompanhei tudo com muita empolgação, identificação e aflição. Os clímaces ocorrem o tempo inteiro, as explosões de raiva e abuso que são características das "operações". É quando percebemos que as reclamações e xingamentos dos clientes são o de menos: as cobranças hediondas, a obrigação para que se cometa crimes contra os consumidores, as relações conflituosas entre os colegas por causa das competições estimuladas... Tudo isso aparece de maneira sagaz no roteiro, que não se esquiva de conceber uma personagem fascinante e enternecedora, por quem torcemos do começo ao fim, com quem cantamos e dançamos juntos, nos breves instantes de alívio. Filmaço! (WPC>)
Revi por acaso, e senti quase a mesma coisa da primeira vez: o incômodo relacionado ao auto-deslumbramento narrativo irrita, mas as interpretações são tão boas, a direção é tão segura e inteligente, o erotismo subjacente é tão profundo, que, neste segundo contato, aderi à curiosidade irrestrita, acompanhei com empolgação o avançar dos capítulos, não obstante lembrar como tudo terminava. O que só confirma o mantra de que "rever é ainda melhor do que ver". Apaixonei-me por Emmanuelle Seigner, mais uma vez, e estabeleci uma identificação torpe com o personagem de Fabrice Luchini. O uso da trilha musical de suspense é de uma sagacidade estupenda. Ozon sabe o que faz: brinca com diversos gênios de maneira inteligentíssima. Mas o chiste narratológico não segura o roteiro até o fim: tem horas que aquelas conversas entre professor e aluno sobre "as motivações dos personagens" forçam a barra ao extremo, aff! (WPC>)
É um crime que este filme não seja mais conhecido. Como alguém que trabalhou quatro anos no telemarketing, identifiquei-me de imediato (se bem que, na Coréia do Sul, a fila de ligações parece bem mais pacata do que aqui, ainda que as cobranças sejam as mesmas). Logo na primeira seqüência, um baque: ao fundo, uma operadora chora, porque foi maltratada por um cliente. Em primeiro plano, uma extraordinária atriz, que brilha até a última aparição em cena. Quando surge a garota novata, tem-se a impressão que o filme render-se-á às convenções típicas de encontros intergeracionais, em comédias românticas. Mas não: o registro dramática é pesadíssimo, a despeito da leveza no tratamento. Identificação total. Surpreendente, Amei! (WPC>)
Como a maior parte das pessoas, conheci este filme por causa das breves participações de um jovem Pedro Almodóvar, mas é um impressionante José Sacristán quem brilha, num papel extremamente bem escrito e motivador. A primeira hora de filme beira a excelência, sendo muito mais contemporâneo em suas questões e reivindicações que uma reconstituição de época, mas, infelizmente, o terço final, ao focalizar as conseqüências problemáticas de uma subtrama de vingança (verossímeis, entretanto), perde um pouco de seu impacto discursivo, não obstante não prejudicar a qualidade extraordinária do filme, que merece ser bem mais conhecido e divulgado. Os números musicais são esplendorosos, bem como os diálogos entre o personagem-título e a sua mãe. Lindo! (WPC>)
A voz de Denise Weinberg impressiona desde o primeiro instante, bem como a ternura de Cacá Amaral. Os dois atores estão ótimos em cada aparição na tela, mas o roteiro modesto torna-se um pouco dispersivo quando focaliza nas intenções vingativas da mulher ou nas experiências sexuais do idoso. Nada que atrapalhe a nossa imersão emocional ou o nosso carinho pelos personagens. Torcemos para que eles superem o luto, que eles voltem a morar juntos, que eles conheçam efetivamente o filho falecido... A seqüência final é magnífica! (WPC>)
Que diretora impressionante: realizar um trabalho tão brilhante logo na estréia! Suas marcas registradas estão evidentes em cada filigrana: a maravilhosa condição de atores não experientes (principalmente, os infantis), a abordagem social, a quebra de expectativas de gêneros... Só melhora a cada instante, culminando num momento epifânico, em seu desfecho de simultânea ode e criticidade ao poder congregador da fé. Expõe as contradições, claro, mas não rejeita as vantagens do gregarismo. As interações familiares são ótimas. Lindo demais! (
Trata-se de um filme que, até algumas semanas, eu sequer ouvira falar e, de repente, descubro que é um dos favoritos das novas gerações macmahonianas. É uma evocação tardia do neo-realismo, em chave um tanto televisiva, mas não menos contundente ou discursivamente genial: o garoto protagonista é muito expressivo em sua aparente inexpressivo e as situações que ele vivencia são carregadas de dramaticidade, na condução quase anticlimática da narrativa. Extraordinário: valida o fuzuê crítico e espectatorial através de seus próprios méritos! (WPC>)
Sou apaixonado pela Helena Ignez, claro, e admito que, mesmo quando ela se repete ou resvala em obviedades "marginais", ela contorna as arestas defeituosas de suas obras com uma entrega intensa à temática e numa legítima celebração da amizade e do amor. Aqui, entretanto, parece que ela não se esforça muito: sabe que será elogiada e aplaudida por seus pares e, como tal, despeja uma série de vinhetas - ora engraçadas, ora reflexivas - que trazem à tona temas que ela já abordara em seus longas-metragens anteriores. Gosto do primeiro segmento e do "cemitério de memórias" que explica o trocadilho sobrenominal com a Agnès Varda e achei interessante a entrada em cena do palestino virgem. Mas o terceiro segmento soou-me como uma piada de mau gosto, exacerbando as contradições classistas de sociológicos holísticos que se deliciam tomando champanha em 'resorts' praianos enquanto lamentam haver tanta fome no mundo. O derradeiro segmento, com aquela dança um tanto cansada, apesar de intencionalmente orgíaca, não funciona, não possui o elã erótico que a protagonista estimula - já que, afinal, trata-se de uma meta-encenação. Inserir a defesa da maconha via catolicismo e despejar tantas referências suficientemente bem-quistas (de Oswald de Andrade a Betty Dodson, passando por Arthur Rimbaud, imagens antigas filmadas pelo Rogério Sganzerla e Lou Andreas-Salomé, entre tantos outros) pareceram soluções falhas, tornando a segunda metade do filme sem o vigor que a diretora deseja emular: é um filme sobre o cansaço de quem é sobremaneira aplaudido, infelizmente. A ayahuasca azedou antes do orgasmo que não chega, infelizmente! (WPC>)
Já estava preparando o textão arrebatado, prestar a grafar OBRA-PRIMA em letras maiúsculas, mas fiquei muito incomodado com a seqüência final, com a resolução que sabemos não ser definitiva, ainda que, para os propósitos do filme sob o 'star system', o tenha sido. Um defeito menor, entretanto: na prática, creio que quase todos nós faríamos a mesma coisa que os personagens evolvidos. É um dramalhão mui realista, que supera com louvor as limitações de gêneros e convenções narrativas de época. A personagem da mãe, rejeitando o estereótipo da judia usurária, é maravilhosa, bem como as demais personagens femininas. John Garfied está maravilhoso e mui sensível como o protagonista atolado de erros, combinando as vitórias no ringue com derrotas pessoais, mas ele é eclipsado pelas magníficas participações ao seu redor, com destaque para o sensível aproveitamento actancial do ex-boxeador Canada Lee. Não tinha como este filme dar errado, aliás: o fotógrafo é James Wong Howe; o roteiro foi escrito por Abraham Polonsky; Robert Aldrich é o assistente de direção; a montagem mereceu o Oscar que recebeu; e Robert Rossen revela-se muito mais que um artesão, no filme quintessencial sobre boxe. Esplêndido e desolador! (WPC>)
Até um dia desses, eu sequer conhecia o diretor. O descobri num documentário da Netflix sobre a história do cinema negro e fiquei fascinado por esse título, pela agudeza da proposta. Vendo o filme, finamente, percebi que a execução é realmente ambiciosa em seus propósitos: há uma problemática interna, no relacionamento entre os personagens do casal (que se divide em três pares de intérpretes, mais ou menos como FLERTE, do Hal Hartley), sobre as conseqüências dolorosas de um marido que não assume as suas tendências homossexuais. Fala-se sobre sucessivos abortos de maneira corajosa e audaciosa. Não há pudores acerca das intervenções de transeuntes, seja o policial, seja aquele sem-teto lúbrico e intelectualizado. Na trilha musical, Miles Davis. Tinha tudo para ser a obra-prima experimental que estas informações anunciam, mas o excesso de digressões envolvendo comentários demorados sobre a própria feitura do filme dirimem um pouco do espanto e da excelência do projeto (as conversas da equipe sobre a incompreensão dos intentos do diretor, por exemplo). Seja como for, uma descoberta acachapante: filmaço a ser disparado com muito entusiasmo para quem amamos. Uau! (WPC>)
Que o Kiyoshi Kurosawa é um mestre das tensões e um gênio estilístico, não se nega mais. Porém, achei que, aqui, o exercício muito bem realizado se esvai antes que a proposta seja direcionada a um encaminhamento tramático propriamente dito: pareceu-me apenas um 'trailer', uma publicidade estendida que não deixa claro o que está sendo efetivamente vendido: autoralidade per si? Seja como for, é um trabalho muito bem interpretado, com excelente fotografia e desenho de som, momentos assustadores e perturbadores e muitas pistas falsas (o empréstimo solicitado pelo filho e a obsessão da esposa pelas latas de refrigerantes, à frente). Amei e me inspirei na paciência docente do protagonista, sobremaneira indulgente em relação aos pantins de seus alunos culinários. Até certo ponto, entretanto... Tecnicamente irrepreensível, mas enredisticamente pendente. Seria intencional? Talvez eu ame o filme numa revisão ou numa retrospectiva/maratona da carreira do cineasta, mas, neste primeiro contato, o média-metragem não funcionou tanto comigo, infelizmente! (WPC>)
Primeiro questionamento: por que o diretor, responsável por obras tão originais, em oportunidades anteriores, resolveu render-se a um filme tão convencional, formulaico e atravessado pelas piores convenções familiares? Graças aos créditos de encerramento, sabemos que ele é parente de um humorista muito famoso no Ceará, que serviu de inspiração para o protagonista. Porém, isso não é suficiente para justificar o cabedal de equívocos aqui deslanchado: durante a projeção, sento muita vergonha alheia. Fazia tempo que eu não ficava tão incomodado durante uma sessão, por causa das interpretações retraídas, artificiais... Felizmente para o meu relacionamento com o filme, notei que isso tem a ver com a diegese, já que é uma narrativa sobre as tentativas de pertencer em ambientes de aparente repulsa/expelição inicial. O personagem de Démick Lopes comete erros o tempo inteiro e segue equivocado em sua impercepção de alguns deles (o desfecho, em sua forçação de barra melodramática, é vexatório!), mas isso também tem a ver com um subtexto tramático, de maneira que o filme, em seus equívocos, assume os erros dos personagens e, tanto um como os outros merecem novas chances e o nosso apoio espectatorial. Jesuíta Barbosa aparece como mero chamariz de público, mas demora a demonstrar-se orgânico, em relação ao que ocorre ao redor dele. Amei a trilha musical, repleta de artistas alternativos, e, em meu incômodo extremo, flagrei-me pensando em minha própria vida, em minhas escolhas, em meus anseios e frustrações. E, mais uma vez, o filme é sobre tudo isso. Funciona, portanto. Principalmente quando é permitido algum respiro circunstancial, para além das cenas de pretenso impacto, ostensivamente falhas (o que ocorre na discussão da praia e no hospital é lamentável, de tão mal executado. Idem para o surgimento da mãe, em determinado momento). A sessão terminou há algumas horas, mas sigo pensando no filme, com um carinho maior que as minhas irritações. Até deu vontade de revê-lo, devidamente acompanhado. Sigo crente no diretor, ressalto. Mas realmente torço para que ele se afaste dessas narrativas mais tradicionais (nos dois sentidos do termo, incluindo o pior deles). Sigamos! (WPC>)
Estranhamente, eu não conhecia esta dupla genial de realizadores - e, em meu primeiro contato tardio, fui arrebatado, fiquei apaixonado: os números de dança são magníficos, as autocitações são ótimas, a reverência a Jacques Tati, Aki Kaurismäki e Roy Andersson é evidente, e o modo como a trama se desvela é magistral, inclusive no que tange às questões políticas (vide as oportunas menções a greves, por exemplo). Amei a trilha musical (Birds on a Wire, já sou fã de vocês!) e Kaori Ito merece ser aplaudida de pé: que mulher impressionante! Filmaço, gente. Não desperdicem a oportunidade de conferi-lo: quero tirar o atraso quanto aos trabalhos prévios dos realizadores, o quanto antes! (WPC>)
Não sabia direito o que esperar: gostei muito do título e percebi que muitos amigos tinham apreciado, de modo que já tinha o interesse suficientemente despertado. Ainda não vi o longa-metragem anterior da diretora, mas, pelo que percebi aqui, ela domina com profusão as convenções do gênero. Os admiradores de David Cronenberg e Julia Ducournau devem ter ficado muito felizes com os resultados, bem como os fãs de Nicolas Winding Refn, com quem o estilo da diretora é deveras assemelhado. Ed Harris e Jena Malone estão ótimos em papéis intencionalmente caricaturais, mas as grandes interpretações são as das duas protagonistas, tão opostas e complementares como Yin e Yang: que Kristen Stewart é uma ótima atriz, todos nós já sabemos, mas não conhecia Katy O'Brian, fiquei impressionado com a sua ótima presença em cena, com a sutileza de suas transformações (emocionais, não apenas explicitamente corporais). A trilha musical sintetizada de Clint Mansell é ótima, bem como a utilização de múltiplos tons rubros na fotografia. Causa algum estranhamento o fato de quase tudo naquela cidade ter a ver com três ou quatro personagens (neste sentido, o filme possui uma aparência obliquamente teatral similar à de KILLER JOE - MATADOR DE ALUGUEL), mas é um aspecto que não atrapalha os ótimos efeitos cinematográficos: o que ocorre naquele surpreendente e alucinógeno desfecho é acachapante. A-do-rei! (WPC>)
Como estou assistindo aos filmes desta diretora em ordem cronológica invertida, está havendo também a constatação de uma ordem decrescente de qualidade. O que não chega a ser demeritório, visto que seu domínio do roteiro com múltiplas camas e do elenco impressionam a cada novo contato. A envergadura assumidamente cômica desta obra possui um cariz auto-indulgente, o que talvez explique o porquê de ele não ter me fisgado tanto quanto os dois longas-metragens posteriores: é como se, ao explicar que beleza e inteligência são critérios que chamam a atenção do júri, a protagonista me fizesse suspeitar do meu fascínio pelas situações amorais trazidas à tona. A personagem é ótima, as situações são sempre críveis, as aparições animais são magistrais e o desfecho é conciliador, afinal, mas , no saldo geral, senti falta das pontas soltas que tornar-se-ão o grande apanágio do estilo trietiano. Incrível como, numa obra ainda curta, ela já conseguiu se consolidar autoralmente: nasceu pronta! (WPC>)
A Musa de Bonnard
3.5 3Cécile de France maravilhosa e dramática, como de praxe; Stacy Martin muito convincente numa participação certeira (e internamente irritante). Não conhecia o artista retratado e, pelo que vi aqui, preferia nem conhecer. Gostei da sua esposa, entretanto. O roteiro é extremamente concessivo em relação aos maus tratamentos contra as mulheres, bem como em relação à objetificação de suas nudezes. Parece uma telenovela, na maneira como as brigas de casal e as injustiças matrimonias se estendem por quase cinco décadas. O protagonista e irritante, mas aparentemente verossímil, no que tange à biografia do artista. A fotografia emula o impressionismo dos envolvidos, logicamente, mas foi a trilha musical de Michael Galasso que fez com que eu suportasse o filme até o final, mesmo detestando-o, em diversos momentos. O diretor parece um cúmplice de tudo aquilo, achei a sua pusilanimidade discursiva sobremaneira reprovável. Mas o filme melhora do meio para o final, deixa a toxicidade adúltera em segundo plano. Ao menos, isso! (WPC>)
Noite
2.7 6Nunca tinha sequer ouvido falar deste filme, e fiquei surpreso ao saber que ele foi tão premiado em Gramado. Não achei que o trabalho do Peréio merecesse mais o prêmio que o Eduardo Tornaghi, este sim impressionante em seu olhar perenemente apalermado/atormentado, além de ter arriscado bastante numa interpretação difícil, em que não esquivou-se (felizmente) das cenas de nudez. Porém, a misoginia do roteiro incomoda: todas as mulheres que aparecem são sexualizadas de maneira perniciosa, por mais pró-pornografia que alguns personagens aleguem ser. Quando lhes convêm, em verdade. Otávio Augusto está ótimo e a breve aparição de Nelson Dantas é marcante. Estranhei o efeito que parecia cartunesco em algumas vozes, mas o desfecho eficiente validou a 'bad trip'. Achei um porre, mas não dispensável, dada a competência de um elenco tão heterogêneo e numeroso. Na pior das hipóteses, uma descoberta! (WPC>)
O Bravo Guerreiro
3.9 19É um filme difícil, em sua reverência straubiana, mas eu amo cada instante, mergulho na trama como se estivesse a assistir a algo que aconteceu comigo, pessoalmente. O elenco está soberbo, muitas vezes invertendo expectativas quando aos tipos que eles consagraram, em interpretações posteriores, e os diálogos são geniais, dignos de serem anotados, a cada instante. As cenas protagonizadas por Maria Lúcia Dahl são esplêndidas, em sua vocação antonioniana, e a progressão discursiva da seqüência do sindicato é magistral: que trabalho precioso de montagem. Eduardo Escorel estava em estado de graça, bem como o fotografo Affonso Beato. Mas, claro, precisamos falar sobre o desfecho - muito mais em aberto do que o seu impacto visual deixa entrever
: lembremos que o tiro não foi disparado e, como tal, pode ser que o personagem do Peréio tenha se convertido numa versão mais jovem do personagem de Mário Lago, idealista que cansou de estar apaixonado pela política, após infinitas traições.
Porto Príncipe
3.8 1Adentrei o filme sem muitas expectativas, mas fui logo conquistado pela excelente relação de amizade entre os protagonistas: Selma Egrei está maravilhosa e terna (o que renderá uma interessante contradição "estrutural", na discussão do roteiro) e Diderot Senat dota seu complexo personagem da simpatia requerida, estando ciente de que ele reage de maneira eventualmente estouvada a algumas situações. Não gostei do modo como as canções aparecem, em sobreposição às imagens televisivas do desastre no Haiti, mas as composições musicais são bonitas e o letreiro dos créditos finais é sobremaneira oportuno. A diretora surpreendeu-me pela competência e acuidade política: quero ver os curtas-metragens dela também e, claro, prestarei atenção aos seus trabalhos vindouros! (WPC>)
Roberto Farias - Memórias de um Cineasta
3.2 1No começo e no final, a diretora percebe que esta lidando com o seu pai, muito mais que com o cineasta prometido nas memórias, e rende-se a estratégias de declaração afetiva que pareceram-me automáticas e sem o vigor esperado (numa comparação com PERSON, por exemplo). Porém, quando o próprio Roberto, em depoimentos antigos, começa a falar sobre o processo de produção de seus filmes, o documentário cresce bastante, torna-se fascinante. Mesmo levando-se em consideração o teor chapa-branca envolvendo os contatos com a ditadura, a trilogia musical com o Roberto Carlos e a fase Embrafilme. Faltou falar sobre um ou outro filme, claro (OS TRAPALHÕES NO AUTO DA COMPADECIDA, cadê?), mas, no final, vale muito a pena conferir este filme: Roberto Farias é, indubitavelmente, um dos grandes de nosso cinema! (WPC>)
Uma Voz nas Sombras
3.8 47 Assista AgoraDo meio para o final, não cria que fosse gostar, visto que o roteiro realmente forçava a barra para justificar a constância do protagonista em meio àquelas freiras tão carentes quanto exigentes. Mas o elogio à lógica do mutirão foi belíssimo e bem executado. Sidney Poitier está mui desenvolto e as atrizes que interpretam as religiosas germânicas aderem funcionalmente à caricatura. A trilha musical de Jerry Goldsmith é ótima, ficou muito tempo em minha mente, após a sessão. A fotografia valoriza a beleza árida daquela região desértica. Minha mãe é obcecada pelo oscarizado astro, de modo que vi com ela e por ela. Foi uma sessão bacana! (WPC>)
Clichês de Hollywood: O Cinema Como Você Sempre Viu
3.5 31Rob Lowe diverte-se (e diverte-nos) como anfitrião, as explicações e ilustrações através de cenas de filmes são ótimas e o ritmo rápido e a curta duração do filme providenciam uma diversão viável e desinteressada. Porém, se avaliarmos com mais rigor o que é exposto neste filme, percebemos que a exposição destes clichês servem para que eles sejam ainda mais utilizados, tal qual evidenciado no depoimento providencial de Florence Pugh, sobre algo levado a cabo por Greta Gerwig em ADORÁVEIS MULHERES. Hollywood é muito sagaz ao converter a si mesma em assunto, bem como em inserir as novas pautas às suas justificativas enredísticas, de modo que alguns trechos da argumentação soam forçados, como o que diz respeito aos vilões com deformações físicas, por exemplo, onde há uma conveniente inversão entre causas e efeitos. Não se levando muito a sério o que é exemplificado, funciona. Afinal, PÃNICO já fez piada com tudo isso, de maneira inteligente e metaficcional: em sua elaboração minuciosa, este filme é muito mais efetivo, enquanto discurso, que este documentário (risos). - WPC>
A Mulher do Século
3.5 21Desde que vi o anúncio deste filme, tive imediata curiosidade em conferi-lo, por causa de suas cores exuberantes e da personalidade marcante da protagonista real. Rosalind Russell faz jus às nossas expectativas, numa interpretação célere, apaixonante, encantadora a cada instante... Porém, convenhamos, é muito fácil ser "excêntrica" (e socialmente aceitável, por conta disso) quando se tem muito dinheiro. De modo que as contradições classistas do filme nem sempre se sustentam. Quando o Crack de 1929 é tematizado pelo roteiro, e a protagonista tenta trabalhar, ganha ainda mais a nossa simpatia, não obstante as situações empregatícias pouco verossímeis (risos). É um filme com muitas concessões - intradiegéticas, sobretudo - ao oportunismo, mas que finaliza muito bem: a seqüência de deslegitimação matrimonial aburguesada (e desintelectualizada), próxima ao desfecho, é ótima, inclusive por infringir de maneira acachapante uma regra básica do Código Hays: exibe uma mulher ostensivamente grávida. Eu e minha mãe sorrimos, de modo que a longa duração não chega a ser um problema. Em revisões, intuo que os problemas iniciais deixarão de incomodar tanto: o diretor é mui exitoso na translação de recursos teatrais para a montagem do filme (os escurecimentos graduais de tela, corresponde às saídas de cena, por exemplo). Fofinho, o auê de bilheteria é completamente justificado! (WPC>)
Golpe de Sorte
3.2 15Um trabalho langoroso e automático de um cineasta que, outrora, foi o nosso favorito. Cedendo ao cansaço, ele demonstra-se francamente não à vontade, ao comandar uma trama noutro idioma: os personagens são insuportáveis, é difícil ter algum fascínio ou curiosidade pelo que acontece, quando demonstramo-nos tão antipáticos em relação às pessoas envolvidas. Além disso, é tudo vexatoriamente previsível, inclusive o desfecho pretensamente 'ex-machina', conforme já aconteceu tantas e tantas vezes em abordagens anteriores do diretor. Lou de Laâge é linda, mas insossa em sua caracterização; Melvil Poupaud é um vilão unidimensional, enquanto Niels Schneider não convence como amante fascinado por sua diva, ao longo de décadas. O filme ganha algum charme quando Valérie Lemercier está em cena, mas, ainda assim, não deixa de passar a impressão de pasticho à la Varilux, como sói acontecer em produções contemporâneas francesas. A fotografia caracteristicamente alaranjada do Vittorio Storaro não se coliga ao realismo 'neo-noir' excessivamente iluninado do enredo. Em muitos sentidos, o filme é um fracasso. Mas, paradoxalmente, nem é tão ruim, pois se parece com tantas e tantas produções congêneres: para um autor como Woody Allen, entretanto, esse testemunho de mediania equivale à mediocridade, infelizmente! (WPC>)
Next Sohee
3.9 4Quando vi o 'trailer' pela primeira vez, fiquei arrebatado: intuí que este filme desenterraria alguns de meus traumas, quanto à época em que trabalhei como atendente de telemarketing. De fato, ocorreu. Mas surpreendeu-me como a diretora conjuga dois gêneros distintos na mesma obra: por uma hora, um contundente drama de maturação individual; na segunda metade, uma investigação policial que desencadeia uma denúncia mui contundente da sujeição das instituições sul-coreanas à exploração vilanaz dos indivíduos, sob as bênçãos do neoliberalismo multinacional. As duas protagonistas são ótimas e as situações são mui dolorosas em sua exposição. Para quem sentia falta dos filmes de Alan J. Pakula, um ótimo despertar desse tipo de trama investigativa, que assume um espelhamento de cariz feminino mui doloroso: a cena final é devastadora! A despeito da duração estendida, acompanhei tudo com muita empolgação, identificação e aflição. Os clímaces ocorrem o tempo inteiro, as explosões de raiva e abuso que são características das "operações". É quando percebemos que as reclamações e xingamentos dos clientes são o de menos: as cobranças hediondas, a obrigação para que se cometa crimes contra os consumidores, as relações conflituosas entre os colegas por causa das competições estimuladas... Tudo isso aparece de maneira sagaz no roteiro, que não se esquiva de conceber uma personagem fascinante e enternecedora, por quem torcemos do começo ao fim, com quem cantamos e dançamos juntos, nos breves instantes de alívio. Filmaço! (WPC>)
Dentro da Casa
4.1 554 Assista AgoraRevi por acaso, e senti quase a mesma coisa da primeira vez: o incômodo relacionado ao auto-deslumbramento narrativo irrita, mas as interpretações são tão boas, a direção é tão segura e inteligente, o erotismo subjacente é tão profundo, que, neste segundo contato, aderi à curiosidade irrestrita, acompanhei com empolgação o avançar dos capítulos, não obstante lembrar como tudo terminava. O que só confirma o mantra de que "rever é ainda melhor do que ver". Apaixonei-me por Emmanuelle Seigner, mais uma vez, e estabeleci uma identificação torpe com o personagem de Fabrice Luchini. O uso da trilha musical de suspense é de uma sagacidade estupenda. Ozon sabe o que faz: brinca com diversos gênios de maneira inteligentíssima. Mas o chiste narratológico não segura o roteiro até o fim: tem horas que aquelas conversas entre professor e aluno sobre "as motivações dos personagens" forçam a barra ao extremo, aff! (WPC>)
Solitários
3.9 35 Assista AgoraÉ um crime que este filme não seja mais conhecido. Como alguém que trabalhou quatro anos no telemarketing, identifiquei-me de imediato (se bem que, na Coréia do Sul, a fila de ligações parece bem mais pacata do que aqui, ainda que as cobranças sejam as mesmas). Logo na primeira seqüência, um baque: ao fundo, uma operadora chora, porque foi maltratada por um cliente. Em primeiro plano, uma extraordinária atriz, que brilha até a última aparição em cena. Quando surge a garota novata, tem-se a impressão que o filme render-se-á às convenções típicas de encontros intergeracionais, em comédias românticas. Mas não: o registro dramática é pesadíssimo, a despeito da leveza no tratamento. Identificação total. Surpreendente, Amei! (WPC>)
Um Homem Chamado Flor de Outono
3.4 5Como a maior parte das pessoas, conheci este filme por causa das breves participações de um jovem Pedro Almodóvar, mas é um impressionante José Sacristán quem brilha, num papel extremamente bem escrito e motivador. A primeira hora de filme beira a excelência, sendo muito mais contemporâneo em suas questões e reivindicações que uma reconstituição de época, mas, infelizmente, o terço final, ao focalizar as conseqüências problemáticas de uma subtrama de vingança (verossímeis, entretanto), perde um pouco de seu impacto discursivo, não obstante não prejudicar a qualidade extraordinária do filme, que merece ser bem mais conhecido e divulgado. Os números musicais são esplendorosos, bem como os diálogos entre o personagem-título e a sua mãe. Lindo! (WPC>)
A Metade de Nós
3.5 2A voz de Denise Weinberg impressiona desde o primeiro instante, bem como a ternura de Cacá Amaral. Os dois atores estão ótimos em cada aparição na tela, mas o roteiro modesto torna-se um pouco dispersivo quando focaliza nas intenções vingativas da mulher ou nas experiências sexuais do idoso. Nada que atrapalhe a nossa imersão emocional ou o nosso carinho pelos personagens. Torcemos para que eles superem o luto, que eles voltem a morar juntos, que eles conheçam efetivamente o filho falecido... A seqüência final é magnífica! (WPC>)
Corpo Celeste
3.5 13 Assista AgoraQue diretora impressionante: realizar um trabalho tão brilhante logo na estréia! Suas marcas registradas estão evidentes em cada filigrana: a maravilhosa condição de atores não experientes (principalmente, os infantis), a abordagem social, a quebra de expectativas de gêneros... Só melhora a cada instante, culminando num momento epifânico, em seu desfecho de simultânea ode e criticidade ao poder congregador da fé. Expõe as contradições, claro, mas não rejeita as vantagens do gregarismo. As interações familiares são ótimas. Lindo demais! (
impossível não ficar traumatizado com o que ocorre aos gatinhos, infelizmente)
Stefano Junior
4.5 1Trata-se de um filme que, até algumas semanas, eu sequer ouvira falar e, de repente, descubro que é um dos favoritos das novas gerações macmahonianas. É uma evocação tardia do neo-realismo, em chave um tanto televisiva, mas não menos contundente ou discursivamente genial: o garoto protagonista é muito expressivo em sua aparente inexpressivo e as situações que ele vivencia são carregadas de dramaticidade, na condução quase anticlimática da narrativa. Extraordinário: valida o fuzuê crítico e espectatorial através de seus próprios méritos! (WPC>)
A Alegria é a Prova dos Nove
2.5 2Sou apaixonado pela Helena Ignez, claro, e admito que, mesmo quando ela se repete ou resvala em obviedades "marginais", ela contorna as arestas defeituosas de suas obras com uma entrega intensa à temática e numa legítima celebração da amizade e do amor. Aqui, entretanto, parece que ela não se esforça muito: sabe que será elogiada e aplaudida por seus pares e, como tal, despeja uma série de vinhetas - ora engraçadas, ora reflexivas - que trazem à tona temas que ela já abordara em seus longas-metragens anteriores. Gosto do primeiro segmento e do "cemitério de memórias" que explica o trocadilho sobrenominal com a Agnès Varda e achei interessante a entrada em cena do palestino virgem. Mas o terceiro segmento soou-me como uma piada de mau gosto, exacerbando as contradições classistas de sociológicos holísticos que se deliciam tomando champanha em 'resorts' praianos enquanto lamentam haver tanta fome no mundo. O derradeiro segmento, com aquela dança um tanto cansada, apesar de intencionalmente orgíaca, não funciona, não possui o elã erótico que a protagonista estimula - já que, afinal, trata-se de uma meta-encenação. Inserir a defesa da maconha via catolicismo e despejar tantas referências suficientemente bem-quistas (de Oswald de Andrade a Betty Dodson, passando por Arthur Rimbaud, imagens antigas filmadas pelo Rogério Sganzerla e Lou Andreas-Salomé, entre tantos outros) pareceram soluções falhas, tornando a segunda metade do filme sem o vigor que a diretora deseja emular: é um filme sobre o cansaço de quem é sobremaneira aplaudido, infelizmente. A ayahuasca azedou antes do orgasmo que não chega, infelizmente! (WPC>)
Corpo e Alma
3.9 15 Assista AgoraJá estava preparando o textão arrebatado, prestar a grafar OBRA-PRIMA em letras maiúsculas, mas fiquei muito incomodado com a seqüência final, com a resolução que sabemos não ser definitiva, ainda que, para os propósitos do filme sob o 'star system', o tenha sido. Um defeito menor, entretanto: na prática, creio que quase todos nós faríamos a mesma coisa que os personagens evolvidos. É um dramalhão mui realista, que supera com louvor as limitações de gêneros e convenções narrativas de época. A personagem da mãe, rejeitando o estereótipo da judia usurária, é maravilhosa, bem como as demais personagens femininas. John Garfied está maravilhoso e mui sensível como o protagonista atolado de erros, combinando as vitórias no ringue com derrotas pessoais, mas ele é eclipsado pelas magníficas participações ao seu redor, com destaque para o sensível aproveitamento actancial do ex-boxeador Canada Lee. Não tinha como este filme dar errado, aliás: o fotógrafo é James Wong Howe; o roteiro foi escrito por Abraham Polonsky; Robert Aldrich é o assistente de direção; a montagem mereceu o Oscar que recebeu; e Robert Rossen revela-se muito mais que um artesão, no filme quintessencial sobre boxe. Esplêndido e desolador! (WPC>)
Symbiopsychotaxiplasm: Take One
4.6 4Até um dia desses, eu sequer conhecia o diretor. O descobri num documentário da Netflix sobre a história do cinema negro e fiquei fascinado por esse título, pela agudeza da proposta. Vendo o filme, finamente, percebi que a execução é realmente ambiciosa em seus propósitos: há uma problemática interna, no relacionamento entre os personagens do casal (que se divide em três pares de intérpretes, mais ou menos como FLERTE, do Hal Hartley), sobre as conseqüências dolorosas de um marido que não assume as suas tendências homossexuais. Fala-se sobre sucessivos abortos de maneira corajosa e audaciosa. Não há pudores acerca das intervenções de transeuntes, seja o policial, seja aquele sem-teto lúbrico e intelectualizado. Na trilha musical, Miles Davis. Tinha tudo para ser a obra-prima experimental que estas informações anunciam, mas o excesso de digressões envolvendo comentários demorados sobre a própria feitura do filme dirimem um pouco do espanto e da excelência do projeto (as conversas da equipe sobre a incompreensão dos intentos do diretor, por exemplo). Seja como for, uma descoberta acachapante: filmaço a ser disparado com muito entusiasmo para quem amamos. Uau! (WPC>)
Chime
3.6 2Que o Kiyoshi Kurosawa é um mestre das tensões e um gênio estilístico, não se nega mais. Porém, achei que, aqui, o exercício muito bem realizado se esvai antes que a proposta seja direcionada a um encaminhamento tramático propriamente dito: pareceu-me apenas um 'trailer', uma publicidade estendida que não deixa claro o que está sendo efetivamente vendido: autoralidade per si? Seja como for, é um trabalho muito bem interpretado, com excelente fotografia e desenho de som, momentos assustadores e perturbadores e muitas pistas falsas (o empréstimo solicitado pelo filho e a obsessão da esposa pelas latas de refrigerantes, à frente). Amei e me inspirei na paciência docente do protagonista, sobremaneira indulgente em relação aos pantins de seus alunos culinários. Até certo ponto, entretanto... Tecnicamente irrepreensível, mas enredisticamente pendente. Seria intencional? Talvez eu ame o filme numa revisão ou numa retrospectiva/maratona da carreira do cineasta, mas, neste primeiro contato, o média-metragem não funcionou tanto comigo, infelizmente! (WPC>)
A Filha do Palhaço
3.7 4Primeiro questionamento: por que o diretor, responsável por obras tão originais, em oportunidades anteriores, resolveu render-se a um filme tão convencional, formulaico e atravessado pelas piores convenções familiares? Graças aos créditos de encerramento, sabemos que ele é parente de um humorista muito famoso no Ceará, que serviu de inspiração para o protagonista. Porém, isso não é suficiente para justificar o cabedal de equívocos aqui deslanchado: durante a projeção, sento muita vergonha alheia. Fazia tempo que eu não ficava tão incomodado durante uma sessão, por causa das interpretações retraídas, artificiais... Felizmente para o meu relacionamento com o filme, notei que isso tem a ver com a diegese, já que é uma narrativa sobre as tentativas de pertencer em ambientes de aparente repulsa/expelição inicial. O personagem de Démick Lopes comete erros o tempo inteiro e segue equivocado em sua impercepção de alguns deles (o desfecho, em sua forçação de barra melodramática, é vexatório!), mas isso também tem a ver com um subtexto tramático, de maneira que o filme, em seus equívocos, assume os erros dos personagens e, tanto um como os outros merecem novas chances e o nosso apoio espectatorial. Jesuíta Barbosa aparece como mero chamariz de público, mas demora a demonstrar-se orgânico, em relação ao que ocorre ao redor dele. Amei a trilha musical, repleta de artistas alternativos, e, em meu incômodo extremo, flagrei-me pensando em minha própria vida, em minhas escolhas, em meus anseios e frustrações. E, mais uma vez, o filme é sobre tudo isso. Funciona, portanto. Principalmente quando é permitido algum respiro circunstancial, para além das cenas de pretenso impacto, ostensivamente falhas (o que ocorre na discussão da praia e no hospital é lamentável, de tão mal executado. Idem para o surgimento da mãe, em determinado momento). A sessão terminou há algumas horas, mas sigo pensando no filme, com um carinho maior que as minhas irritações. Até deu vontade de revê-lo, devidamente acompanhado. Sigo crente no diretor, ressalto. Mas realmente torço para que ele se afaste dessas narrativas mais tradicionais (nos dois sentidos do termo, incluindo o pior deles). Sigamos! (WPC>)
A Estrela Cadente
2.7 4Estranhamente, eu não conhecia esta dupla genial de realizadores - e, em meu primeiro contato tardio, fui arrebatado, fiquei apaixonado: os números de dança são magníficos, as autocitações são ótimas, a reverência a Jacques Tati, Aki Kaurismäki e Roy Andersson é evidente, e o modo como a trama se desvela é magistral, inclusive no que tange às questões políticas (vide as oportunas menções a greves, por exemplo). Amei a trilha musical (Birds on a Wire, já sou fã de vocês!) e Kaori Ito merece ser aplaudida de pé: que mulher impressionante! Filmaço, gente. Não desperdicem a oportunidade de conferi-lo: quero tirar o atraso quanto aos trabalhos prévios dos realizadores, o quanto antes! (WPC>)
Love Lies Bleeding: O Amor Sangra
3.6 141Não sabia direito o que esperar: gostei muito do título e percebi que muitos amigos tinham apreciado, de modo que já tinha o interesse suficientemente despertado. Ainda não vi o longa-metragem anterior da diretora, mas, pelo que percebi aqui, ela domina com profusão as convenções do gênero. Os admiradores de David Cronenberg e Julia Ducournau devem ter ficado muito felizes com os resultados, bem como os fãs de Nicolas Winding Refn, com quem o estilo da diretora é deveras assemelhado. Ed Harris e Jena Malone estão ótimos em papéis intencionalmente caricaturais, mas as grandes interpretações são as das duas protagonistas, tão opostas e complementares como Yin e Yang: que Kristen Stewart é uma ótima atriz, todos nós já sabemos, mas não conhecia Katy O'Brian, fiquei impressionado com a sua ótima presença em cena, com a sutileza de suas transformações (emocionais, não apenas explicitamente corporais). A trilha musical sintetizada de Clint Mansell é ótima, bem como a utilização de múltiplos tons rubros na fotografia. Causa algum estranhamento o fato de quase tudo naquela cidade ter a ver com três ou quatro personagens (neste sentido, o filme possui uma aparência obliquamente teatral similar à de KILLER JOE - MATADOR DE ALUGUEL), mas é um aspecto que não atrapalha os ótimos efeitos cinematográficos: o que ocorre naquele surpreendente e alucinógeno desfecho é acachapante. A-do-rei! (WPC>)
Na Cama com Victoria
3.0 32 Assista AgoraComo estou assistindo aos filmes desta diretora em ordem cronológica invertida, está havendo também a constatação de uma ordem decrescente de qualidade. O que não chega a ser demeritório, visto que seu domínio do roteiro com múltiplas camas e do elenco impressionam a cada novo contato. A envergadura assumidamente cômica desta obra possui um cariz auto-indulgente, o que talvez explique o porquê de ele não ter me fisgado tanto quanto os dois longas-metragens posteriores: é como se, ao explicar que beleza e inteligência são critérios que chamam a atenção do júri, a protagonista me fizesse suspeitar do meu fascínio pelas situações amorais trazidas à tona. A personagem é ótima, as situações são sempre críveis, as aparições animais são magistrais e o desfecho é conciliador, afinal, mas , no saldo geral, senti falta das pontas soltas que tornar-se-ão o grande apanágio do estilo trietiano. Incrível como, numa obra ainda curta, ela já conseguiu se consolidar autoralmente: nasceu pronta! (WPC>)