Decepcionante ler recomendações ao longo de anos sobre esta obra cujo chamariz seria a oscarizada performance de Meryl Streep e dar-se conta de que a personagem dela, na verdade, é subordinada ao processo de amadurecimento de um jovem insosso de nome ridículo. Sofia e sua história de sobrevivência - e sacrifício - no Holocausto servem de escada para inspirá-lo a escrever um livro, viver mais intensamente e perder a virgindade. Ora, faça-me o favor! Nem tudo é perdido: a fotografia de Nestor Almendros, a música de Marvin Hamlisch e a sensível interpretação de Streep fazem valer a sessão.
O filme mais importante da década para nós, brasileiros? Abriu meus olhos para uma realidade que eu, como antipetista radical, me recusava a enxergar. Não é uma panfletagem "pra esquerdista bater palma", mas sim o registro documental de uma farsa política que feriu de morte a democracia e cujas consequências ainda adoecem a malha social como as partículas radioativas de um desastre nuclear.
Anos atrás, moleque, curta vivência na bagagem, mínima sensibilidade para nuances da arte, tachei este clássico de superestimado. “Os pobrezinhos precisam de ajuda, de supervisão, medicação, rotina, pois sofrem de transtornos mentais…”, pensava. Será? Como sugere o rebelde-libertador McMurphy (Nicholson), alguém a andar livre pelas ruas pode ser tão insano quanto qualquer interno do manicômio. “A enfermeira Ratched apenas cumpria sua obrigação profissional”, argumentava. Pelo contrário, a megera personifica o sistema cujo autoritarismo ganha lastro na desculpa do dever e da ordem, aniquilando a individualidade com o intuito de submetê-la à conformidade.
Forman faz comédia com as patetadas do ninho de cucos, mas quando posiciona McMurphy e Ratched para bater cabeças, a tensão se acumula até explodir no desfecho catártico.
Na cena de maior carga dramática da quadrilogia, aprendemos que o pior monstro do universo não é o xenomorph. O posto duvidoso cabe a nós, humanos. A clone nº8 da falecida Tenente Ellen Ripley encontra sete tentativas abortadas dos cientistas da Companhia Weyland-Yutani de ressuscitá-la (visando à obtenção da rainha alien que gestava em Alien³). As cópias não passam de grotescas deformidades. Uma delas, com o semblante de Sigourney Weaver, agonizando, implora que a sacrifiquem.
Pobre Ripley. Perdeu a filha na Terra, depois Newt, Hicks e Clemens; cometeu suicídio em prol da humanidade por carregar o embrião da nêmesis no ventre; o clone, de constituição genética híbrida, apesar de torturado por dentro, acaba matando o próprio “descendente” indireto. Qual heroína do cinema sofreu tanto, mesmo após a morte?
Desde O Oitavo Passageiro, o empenho da Companhia em pôr as mãos num espécime da besta estelar, pretendendo instrumentalizá-la como armamento biológico, já insinuava que, enquanto os xenomorph consistiam na ameaça direta aos protagonistas, o real vilão assumia caráter imaterial: a frieza, a ambição e a imprudência de uma corporação sem face voltada ao lucro e poder.
Distanciar-se do mundo, erguer uma barreira de indiferença ao redor, congelar-se emocionalmente são estratégias defensivas incapazes de remediar a angústia. Por mais amarga que esteja a vida, ainda que não visível uma saída imediata, a simples decisão de se permitir importar com os outros representará um primeiro passo rumo à luz no fim do túnel. Quem sente, reage e aprende.
Pertence a alguma minoria? Mal amado pelo par? Negligenciado pelos pais? Desprezado pelos colegas? Pobre? Sabotado pelo “sistema”? A sensação de injustiça abre caminho à raiva que, se não canalizada para uma válvula de escape específica, surte efeitos contraprodutivos. Violência, apatia, solidão, desesperança – fatores que jamais serão erradicados. Podem ser mitigados, de modo paliativo, temporário. É o possível (realista), embora não o desejável (utópico). Deve-se ter em mente que inexistem garantias. Felicidade absoluta pertence a contos de fadas.
Compartilha com obras-primas recentes como Onde os Fracos Não Têm Vez e 12 Anos de Escravidão o fato de ser um dos raros, raríssimos vencedores do Oscar que não são tradicionais (seja em estética ou conteúdo), nem tampouco feitos para o consumo rápido de uma massa em busca de mera distração.
Mas é óbvio que a própria indústria hollywoodiana que agraciou-o com o Oscar não escutará a crítica feita pelo filme e continuará investindo em uma enxurrada de filmes-entretenimento descartáveis e esquecíveis. O que conta é o dinheiro. Hollywood será a mesma, e Birdman continuará maravilhando quem valoriza a criatividade da escrita, o esforço do elenco, a ousadia da câmera e das trucagens, a visão coesa de um cineasta, enfim, quem considera o cinema antes uma forma de arte do que tão-só uma diversãozinha qualquer.
Parabéns e obrigado por este filmaço, é o que gostaria de dizer pra equipe.
Criação/destruição; pais/filhos; fé/ciência. Afeito a dicotomias, Prometheus subverte o mito bíblico criacionista. No lugar da amorosa, compreensiva figura de Deus, introduz impassíveis “geneticistas do espaço”, alvas criaturas intergaláticas capazes de engendrar novas formas de vida, fertilizar planetas desertos e… Mudar de ideia, irritados com a prole, procedendo à aniquilação dela. Se indivíduos têm o desenvolvimento afetado pela ausência de amor dos pais indiferentes, o que dizer da Humanidade, vítima do desprezo dos entes superiores dos quais descende?
As sensações provocadas por este herdeiro da mitologia Alien abarcam desde o pavor imediato (frente ao destino cruento reservado às proverbiais buchas-de-canhão) até a desesperança, que vai escalando à medida que se percebe o erro de julgamento da heroína (suposto convite dos deuses conclamando terráqueos a um encontro revela-se uma armadilha traiçoeira). À semelhança de um face hugger, Prometheus espreita o público, envelopando-o numa atmosfera malevolente, então atacando-o de súbito, inoculando generosas doses de inquietação.
Os corredores claustrofóbicos da penumbrosa Nostromo cedem lugar a vastos ambientes sob o céu carregado de um planetoide rochoso, propício ao escopo épico-contemplativo que distingue esta pré-continuação indireta de O Oitavo Passageiro e a contextualiza na contemporaneidade, dominada por arrasa-quarteirões cada vez maiores.
O roteiro compartilha o espírito de exploração e especulação a impelir o time de cientistas liderado por Noomi Rapace. A formatação expedicionária, questionadora implica num déficit de adrenalina, recompensado pelo ganho em mistério e evocação.
A tripulação terráquea paga o preço por se julgar no direito de exigir respostas, feito uma criança petulante admoestada ao questionar as ordens dos pais. Pode-se interpretar o desfecho como uma ode ao ímpeto da busca do saber, que já nos levou a cruzar oceanos e, no futuro, permitirá alcançar as estrelas.
Certas críticas procedem: figuras unidimensionais descartáveis (copilotos da espaçonave), comportamentos contraditórios (o biólogo medroso tocando a minhoca-mutante). Damon Lindelof negligencia relacionamentos de potencial inexplorado (Meredith Vickers e Peter Weyland).
Sementes contendo noções encorpadas o bastante para alimentar pesadelos fazem-se notar já no prólogo. Scott mereceria o rótulo de pretensiosos caso tencionassem acomodar todas as respostas no filme. Em vez disso, oferecem umas, sugerem outras, enquanto encorajam a indagação de questões ulteriores, abertas ao debate.
David Ayer não deixou escapar uma convenção (clichê?) sequer do gênero. 'Fury' talvez satisfaça quem começou a ver filmes de guerra ontem, ou pelo menos os poucos que ainda não viram 'O Resgate do Soldado Ryan', do qual Ayer apropriou a maior quantidade de elementos.
- o recruta jovem, ingênuo e idealista que aprende a virar homem durante a campanha; - o líder calejado e durão, mas de bom coração; - o soldado religioso, recitador da Bíblia; - o soldado cabeça-oca, bruto, estraga-prazeres; - o soldado étnico, no caso mexicano, que serve de alívio cômico; - as conversas e brincadeiras estúpidas de macho entre os combatentes;
- as mulheres, que só aparecem para dar para soldados americanos desconhecidos e morrer em seguida; - a morte dos coadjuvantes e o sacrifício do líder;
- a fotografia dessaturada, de cores drenadas; - a "última batalha", onde os protagonistas em desvantagem númerica e bélica resistem bravamente etc.
A sensação de 'dèjá-vu', a previsibilidade, enfim, a completa falta de inspiração não deixa a tensão e a adrenalina dos duelos entre tanques atingir níveis altos o suficiente para tornar a sessão satisfatória. De surpreendente, apenas, a força da catacterização de Shia LaBeouf.
Mais uma produção que certamente será vítima de canetadas de pessoas que são incapazes de aceitar termos óbvios como 'adaptação', 'baseado em', 'inspirado em'.
Ao invés de ir ao cinema curtir duas horas de entretenimento ou apreciar a visão de cineastas como Ridley Scott, uma parcela do povo só quer se indignar de propósito com as 'infidelidades', as licenças poéticas, a interpretação diferente. Para então vir nas redes sociais, xingar e socar uma estrela no filme...
Felizmente a Bíblia não é protegida por direitos autorais exclusivos dos religiosos de mente literal.
Passar os anos desmotivado, desapaixonado, equivale a já estar morto. É jogar fora um tempo finito. O fato de Watanabe-san ganhar sustento como burocrata mostra a percepção dos roteiristas, refletindo o estado de espírito do protagonista, apelidado nada carinhosamente de “a múmia” por uma subalterna.
O despertar tardio do apático ancião ocorre após um diagnóstico médico fatídico. Tenta se reconectar ao filho egoísta; torra dinheiro em diversões frívolas da noite. Em vão. Por incrível que pareça, a chama interior será acesa no trabalho. Pela primeira vez em décadas, o sr. Watanabe descobre algo que lhe toca o coração. Partirá satisfação por ter sido feliz no período pós-diagnóstico?
Precursor de Morangos Silvestres, Ikiru não fala de doença, nem morte. Kurosawa filosofa sobre o sentido de viver.
É uma praga típica do Filmow. Pessoas que não gostaram do filme, em vez de explicarem por que não gostaram, partem para ataques pessoais contra aqueles que têm opinião diferente. É a mesma poeira nos olhos de sempre: quem gostou "quer pagar de pseudocult/pseudointelectual", quem redige um texto mais completo "quer aparecer", quem elogia bastante "é nolanzete/fanboy" ou está "imitando os críticos" etc.
Basta ter um filme ligeiramente mais complexo, que proporcione discussões, traga conceitos novos e não seja simplório em visual ou narrativa, que qualquer tentativa de decifrá-lo é vista como pretensão e arrogância... Deixe-me contar uma novidade, pessoal: algumas obras são, sim, mais ambiciosas e complexas que as outras. Cinema é indústria e diversão, mas também pode almejar algo além - e não há nada de errado nisso. Por exemplo, uma forma de arte por meio da qual artistas de visão se expressam.
Como dá pra ver, boa parte das opiniões positivas têm mais de um parágrafo e apresentam justificativas para a cotação alta. Alguns textos negativos também se explicam, sem precisar duvidar da sinceridade de quem é fã. Mas é desagradável ver os trolls usuais postando coisas jocosas, por vezes em uma única frase, incapazes de argumentar, só partindo para ataques 'ad hominem'. É um complexo de inferioridade ridículo... Vide qualquer página do Bergman, do Haneke, do Tarantino, do Godard.
"Ah, é impossível alguém entender esse troço ou achar bom, então quem está escrevendo um monte de coisa só quer parecer inteligentão!" "Ai, ui, ó essa fita cheia de frescura, confusa, cheia das ideias, é coisa de intelectual!" "Só minha opinião é que está certa, só o que eu acho vale, todo o resto é fingimento!" Poupem-me. O Filmow é uma rede social para debater sobre cinema. Em nenhum local do site está decretado que só se pode postar opiniões monossilábicas.
Ridley Scott retorna ao passado do universo que ajudou a conceber no final dos anos 70 – o da franquia Alien – compelido por pretensões diferentes: em vez de paralisar o espectador de medo com uma ameaça alienígena escondida na penumbra de uma sucateada nave mineradora, a meta é fazer a imaginação voar alto com indagações acerca não só da hipotética origem da criatura de contornos fálicos desenhada por H.R. Giger, mas, sobretudo, da própria espécie humana.
Os corredores claustrofóbicos mal iluminados da Nostromo cedem lugar para vastos ambientes sob o céu carregado de um planetoide rochoso, propícios ao escopo épico-contemplativo adotado tanto para distinguir esta pré-continuação indireta do clássico original quanto para contextualizar o espetáculo audiovisual numa época de arrasa-quarteirões cada vez maiores. Nada modesto, antes do lançamento Scott admitira a vontade de ter em seu nome uma aventura espacial em 3D digna de concorrer com Avatar.
O esteta inglês não gostaria de ouvir que falhou em alcançar a meta. Deveria, antes, sentir-se orgulhoso: o roteiro escrito por Damon Lindelof e Jon Spaihts, apesar das críticas acusando supostos furos de lógica ou vagueza excessiva, é imbuído do mesmo espírito de exploração e especulação a impelir o time de cientistas comandado por Noomi Rapace. Como consequência da opção pela abordagem no formato expedicionário, questionador, há um déficit em adrenalina, recompensado pelo ganho em mistério.
Enquanto o recordista de bilheteria de James Cameron ocupa-se com mensagens ambientalistas reproduzidas com literalidade, viabilizadas pelo uso extensivo de computação gráfica, Prometheus aposta em sets práticos colossais habitados por um elenco de carne e osso para, quem diria, “apenas” simbolizar a incapacidade humana de satisfazer-se com o desconhecimento da sua gênese. A fé cristã da heroína órfã de Rapace, em busca espiritual pelo Criador, sintetiza tal proposta temática.
Na trama, a tripulação terráquea paga o preço por se julgar no direito de exigir respostas dos deuses, como um filho admoestado por questionar as ordens dos pais (de fato, o conflito entre criador/criatura se faz presente em vários níveis). Pode-se interpretar o desfecho como uma ode ao ímpeto da busca do saber, que já nos levou a cruzar oceanos e, no futuro, permitirá alcançarmos as estrelas.
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A Escolha de Sofia
4.0 514 Assista AgoraDecepcionante ler recomendações ao longo de anos sobre esta obra cujo chamariz seria a oscarizada performance de Meryl Streep e dar-se conta de que a personagem dela, na verdade, é subordinada ao processo de amadurecimento de um jovem insosso de nome ridículo. Sofia e sua história de sobrevivência - e sacrifício - no Holocausto servem de escada para inspirá-lo a escrever um livro, viver mais intensamente e perder a virgindade. Ora, faça-me o favor! Nem tudo é perdido: a fotografia de Nestor Almendros, a música de Marvin Hamlisch e a sensível interpretação de Streep fazem valer a sessão.
O Processo
4.0 240O filme mais importante da década para nós, brasileiros? Abriu meus olhos para uma realidade que eu, como antipetista radical, me recusava a enxergar. Não é uma panfletagem "pra esquerdista bater palma", mas sim o registro documental de uma farsa política que feriu de morte a democracia e cujas consequências ainda adoecem a malha social como as partículas radioativas de um desastre nuclear.
Um Estranho no Ninho
4.4 1,8K Assista AgoraAnos atrás, moleque, curta vivência na bagagem, mínima sensibilidade para nuances da arte, tachei este clássico de superestimado. “Os pobrezinhos precisam de ajuda, de supervisão, medicação, rotina, pois sofrem de transtornos mentais…”, pensava. Será? Como sugere o rebelde-libertador McMurphy (Nicholson), alguém a andar livre pelas ruas pode ser tão insano quanto qualquer interno do manicômio. “A enfermeira Ratched apenas cumpria sua obrigação profissional”, argumentava. Pelo contrário, a megera personifica o sistema cujo autoritarismo ganha lastro na desculpa do dever e da ordem, aniquilando a individualidade com o intuito de submetê-la à conformidade.
Forman faz comédia com as patetadas do ninho de cucos, mas quando posiciona McMurphy e Ratched para bater cabeças, a tensão se acumula até explodir no desfecho catártico.
Alien: A Ressurreição
3.1 488 Assista AgoraNa cena de maior carga dramática da quadrilogia, aprendemos que o pior monstro do universo não é o xenomorph. O posto duvidoso cabe a nós, humanos. A clone nº8 da falecida Tenente Ellen Ripley encontra sete tentativas abortadas dos cientistas da Companhia Weyland-Yutani de ressuscitá-la (visando à obtenção da rainha alien que gestava em Alien³). As cópias não passam de grotescas deformidades. Uma delas, com o semblante de Sigourney Weaver, agonizando, implora que a sacrifiquem.
Pobre Ripley. Perdeu a filha na Terra, depois Newt, Hicks e Clemens; cometeu suicídio em prol da humanidade por carregar o embrião da nêmesis no ventre; o clone, de constituição genética híbrida, apesar de torturado por dentro, acaba matando o próprio “descendente” indireto. Qual heroína do cinema sofreu tanto, mesmo após a morte?
Desde O Oitavo Passageiro, o empenho da Companhia em pôr as mãos num espécime da besta estelar, pretendendo instrumentalizá-la como armamento biológico, já insinuava que, enquanto os xenomorph consistiam na ameaça direta aos protagonistas, o real vilão assumia caráter imaterial: a frieza, a ambição e a imprudência de uma corporação sem face voltada ao lucro e poder.
O Substituto
4.4 1,7K Assista AgoraDistanciar-se do mundo, erguer uma barreira de indiferença ao redor, congelar-se emocionalmente são estratégias defensivas incapazes de remediar a angústia. Por mais amarga que esteja a vida, ainda que não visível uma saída imediata, a simples decisão de se permitir importar com os outros representará um primeiro passo rumo à luz no fim do túnel. Quem sente, reage e aprende.
Pertence a alguma minoria? Mal amado pelo par? Negligenciado pelos pais? Desprezado pelos colegas? Pobre? Sabotado pelo “sistema”? A sensação de injustiça abre caminho à raiva que, se não canalizada para uma válvula de escape específica, surte efeitos contraprodutivos. Violência, apatia, solidão, desesperança – fatores que jamais serão erradicados. Podem ser mitigados, de modo paliativo, temporário. É o possível (realista), embora não o desejável (utópico). Deve-se ter em mente que inexistem garantias. Felicidade absoluta pertence a contos de fadas.
Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
3.8 3,4K Assista AgoraCompartilha com obras-primas recentes como Onde os Fracos Não Têm Vez e 12 Anos de Escravidão o fato de ser um dos raros, raríssimos vencedores do Oscar que não são tradicionais (seja em estética ou conteúdo), nem tampouco feitos para o consumo rápido de uma massa em busca de mera distração.
Mas é óbvio que a própria indústria hollywoodiana que agraciou-o com o Oscar não escutará a crítica feita pelo filme e continuará investindo em uma enxurrada de filmes-entretenimento descartáveis e esquecíveis. O que conta é o dinheiro. Hollywood será a mesma, e Birdman continuará maravilhando quem valoriza a criatividade da escrita, o esforço do elenco, a ousadia da câmera e das trucagens, a visão coesa de um cineasta, enfim, quem considera o cinema antes uma forma de arte do que tão-só uma diversãozinha qualquer.
Parabéns e obrigado por este filmaço, é o que gostaria de dizer pra equipe.
Prometheus
3.1 3,4K Assista AgoraCriação/destruição; pais/filhos; fé/ciência. Afeito a dicotomias, Prometheus subverte o mito bíblico criacionista. No lugar da amorosa, compreensiva figura de Deus, introduz impassíveis “geneticistas do espaço”, alvas criaturas intergaláticas capazes de engendrar novas formas de vida, fertilizar planetas desertos e… Mudar de ideia, irritados com a prole, procedendo à aniquilação dela. Se indivíduos têm o desenvolvimento afetado pela ausência de amor dos pais indiferentes, o que dizer da Humanidade, vítima do desprezo dos entes superiores dos quais descende?
As sensações provocadas por este herdeiro da mitologia Alien abarcam desde o pavor imediato (frente ao destino cruento reservado às proverbiais buchas-de-canhão) até a desesperança, que vai escalando à medida que se percebe o erro de julgamento da heroína (suposto convite dos deuses conclamando terráqueos a um encontro revela-se uma armadilha traiçoeira). À semelhança de um face hugger, Prometheus espreita o público, envelopando-o numa atmosfera malevolente, então atacando-o de súbito, inoculando generosas doses de inquietação.
Os corredores claustrofóbicos da penumbrosa Nostromo cedem lugar a vastos ambientes sob o céu carregado de um planetoide rochoso, propício ao escopo épico-contemplativo que distingue esta pré-continuação indireta de O Oitavo Passageiro e a contextualiza na contemporaneidade, dominada por arrasa-quarteirões cada vez maiores.
O roteiro compartilha o espírito de exploração e especulação a impelir o time de cientistas liderado por Noomi Rapace. A formatação expedicionária, questionadora implica num déficit de adrenalina, recompensado pelo ganho em mistério e evocação.
A tripulação terráquea paga o preço por se julgar no direito de exigir respostas, feito uma criança petulante admoestada ao questionar as ordens dos pais. Pode-se interpretar o desfecho como uma ode ao ímpeto da busca do saber, que já nos levou a cruzar oceanos e, no futuro, permitirá alcançar as estrelas.
Certas críticas procedem: figuras unidimensionais descartáveis (copilotos da espaçonave), comportamentos contraditórios (o biólogo medroso tocando a minhoca-mutante). Damon Lindelof negligencia relacionamentos de potencial inexplorado (Meredith Vickers e Peter Weyland).
Sementes contendo noções encorpadas o bastante para alimentar pesadelos fazem-se notar já no prólogo. Scott mereceria o rótulo de pretensiosos caso tencionassem acomodar todas as respostas no filme. Em vez disso, oferecem umas, sugerem outras, enquanto encorajam a indagação de questões ulteriores, abertas ao debate.
Corações de Ferro
3.9 1,4K Assista AgoraDavid Ayer não deixou escapar uma convenção (clichê?) sequer do gênero. 'Fury' talvez satisfaça quem começou a ver filmes de guerra ontem, ou pelo menos os poucos que ainda não viram 'O Resgate do Soldado Ryan', do qual Ayer apropriou a maior quantidade de elementos.
- o recruta jovem, ingênuo e idealista que aprende a virar homem durante a campanha;
- o líder calejado e durão, mas de bom coração;
- o soldado religioso, recitador da Bíblia;
- o soldado cabeça-oca, bruto, estraga-prazeres;
- o soldado étnico, no caso mexicano, que serve de alívio cômico;
- as conversas e brincadeiras estúpidas de macho entre os combatentes;
- as mulheres, que só aparecem para dar para soldados americanos desconhecidos e morrer em seguida;
- a morte dos coadjuvantes e o sacrifício do líder;
- a fotografia dessaturada, de cores drenadas;
- a "última batalha", onde os protagonistas em desvantagem númerica e bélica resistem bravamente etc.
A sensação de 'dèjá-vu', a previsibilidade, enfim, a completa falta de inspiração não deixa a tensão e a adrenalina dos duelos entre tanques atingir níveis altos o suficiente para tornar a sessão satisfatória. De surpreendente, apenas, a força da catacterização de Shia LaBeouf.
Êxodo: Deuses e Reis
3.1 1,2K Assista AgoraMais uma produção que certamente será vítima de canetadas de pessoas que são incapazes de aceitar termos óbvios como 'adaptação', 'baseado em', 'inspirado em'.
Ao invés de ir ao cinema curtir duas horas de entretenimento ou apreciar a visão de cineastas como Ridley Scott, uma parcela do povo só quer se indignar de propósito com as 'infidelidades', as licenças poéticas, a interpretação diferente. Para então vir nas redes sociais, xingar e socar uma estrela no filme...
Felizmente a Bíblia não é protegida por direitos autorais exclusivos dos religiosos de mente literal.
Viver
4.4 166 Assista AgoraPassar os anos desmotivado, desapaixonado, equivale a já estar morto. É jogar fora um tempo finito. O fato de Watanabe-san ganhar sustento como burocrata mostra a percepção dos roteiristas, refletindo o estado de espírito do protagonista, apelidado nada carinhosamente de “a múmia” por uma subalterna.
O despertar tardio do apático ancião ocorre após um diagnóstico médico fatídico. Tenta se reconectar ao filho egoísta; torra dinheiro em diversões frívolas da noite. Em vão. Por incrível que pareça, a chama interior será acesa no trabalho. Pela primeira vez em décadas, o sr. Watanabe descobre algo que lhe toca o coração. Partirá satisfação por ter sido feliz no período pós-diagnóstico?
Precursor de Morangos Silvestres, Ikiru não fala de doença, nem morte. Kurosawa filosofa sobre o sentido de viver.
Interestelar
4.3 5,7K Assista AgoraJá começou.
É uma praga típica do Filmow. Pessoas que não gostaram do filme, em vez de explicarem por que não gostaram, partem para ataques pessoais contra aqueles que têm opinião diferente. É a mesma poeira nos olhos de sempre: quem gostou "quer pagar de pseudocult/pseudointelectual", quem redige um texto mais completo "quer aparecer", quem elogia bastante "é nolanzete/fanboy" ou está "imitando os críticos" etc.
Basta ter um filme ligeiramente mais complexo, que proporcione discussões, traga conceitos novos e não seja simplório em visual ou narrativa, que qualquer tentativa de decifrá-lo é vista como pretensão e arrogância... Deixe-me contar uma novidade, pessoal: algumas obras são, sim, mais ambiciosas e complexas que as outras. Cinema é indústria e diversão, mas também pode almejar algo além - e não há nada de errado nisso. Por exemplo, uma forma de arte por meio da qual artistas de visão se expressam.
Como dá pra ver, boa parte das opiniões positivas têm mais de um parágrafo e apresentam justificativas para a cotação alta. Alguns textos negativos também se explicam, sem precisar duvidar da sinceridade de quem é fã. Mas é desagradável ver os trolls usuais postando coisas jocosas, por vezes em uma única frase, incapazes de argumentar, só partindo para ataques 'ad hominem'. É um complexo de inferioridade ridículo... Vide qualquer página do Bergman, do Haneke, do Tarantino, do Godard.
"Ah, é impossível alguém entender esse troço ou achar bom, então quem está escrevendo um monte de coisa só quer parecer inteligentão!" "Ai, ui, ó essa fita cheia de frescura, confusa, cheia das ideias, é coisa de intelectual!" "Só minha opinião é que está certa, só o que eu acho vale, todo o resto é fingimento!" Poupem-me. O Filmow é uma rede social para debater sobre cinema. Em nenhum local do site está decretado que só se pode postar opiniões monossilábicas.
Prometheus
3.1 3,4K Assista AgoraRidley Scott retorna ao passado do universo que ajudou a conceber no final dos anos 70 – o da franquia Alien – compelido por pretensões diferentes: em vez de paralisar o espectador de medo com uma ameaça alienígena escondida na penumbra de uma sucateada nave mineradora, a meta é fazer a imaginação voar alto com indagações acerca não só da hipotética origem da criatura de contornos fálicos desenhada por H.R. Giger, mas, sobretudo, da própria espécie humana.
Os corredores claustrofóbicos mal iluminados da Nostromo cedem lugar para vastos ambientes sob o céu carregado de um planetoide rochoso, propícios ao escopo épico-contemplativo adotado tanto para distinguir esta pré-continuação indireta do clássico original quanto para contextualizar o espetáculo audiovisual numa época de arrasa-quarteirões cada vez maiores. Nada modesto, antes do lançamento Scott admitira a vontade de ter em seu nome uma aventura espacial em 3D digna de concorrer com Avatar.
O esteta inglês não gostaria de ouvir que falhou em alcançar a meta. Deveria, antes, sentir-se orgulhoso: o roteiro escrito por Damon Lindelof e Jon Spaihts, apesar das críticas acusando supostos furos de lógica ou vagueza excessiva, é imbuído do mesmo espírito de exploração e especulação a impelir o time de cientistas comandado por Noomi Rapace. Como consequência da opção pela abordagem no formato expedicionário, questionador, há um déficit em adrenalina, recompensado pelo ganho em mistério.
Enquanto o recordista de bilheteria de James Cameron ocupa-se com mensagens ambientalistas reproduzidas com literalidade, viabilizadas pelo uso extensivo de computação gráfica, Prometheus aposta em sets práticos colossais habitados por um elenco de carne e osso para, quem diria, “apenas” simbolizar a incapacidade humana de satisfazer-se com o desconhecimento da sua gênese. A fé cristã da heroína órfã de Rapace, em busca espiritual pelo Criador, sintetiza tal proposta temática.
Na trama, a tripulação terráquea paga o preço por se julgar no direito de exigir respostas dos deuses, como um filho admoestado por questionar as ordens dos pais (de fato, o conflito entre criador/criatura se faz presente em vários níveis). Pode-se interpretar o desfecho como uma ode ao ímpeto da busca do saber, que já nos levou a cruzar oceanos e, no futuro, permitirá alcançarmos as estrelas.