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  • Foto do escritorMessias Adriano

Estranho Caminho | Crítica

Atualizado: 13 de dez. de 2023


David (Lucas Limeira) acorda muito doido

David (Lucas Limeira) é um jovem diretor de cinema que está voltando a Fortaleza, sua terra natal, para apresentar um filme em um festival de cinema. Ocorre que um perigoso vírus está se espalhando pelo Brasil e pelo mundo, o que pode atrapalhar os planos do protagonista em voltar rapidamente para a Europa.


A chegada dele é atabalhoada. David é um cineasta sem recursos e fica hospedado em uma pousada de ventilador quebrado e frigobar vazio. Na cidade, ele é roubado (ou melhor, furtado, como aponta a policial desinteressada) e os amigos não são capazes de acolhê-lo durante a pandemia. Quase que por obrigação, David vai em busca do pai que não encontra há anos, porque se não o fosse, não teria nem mesmo onde ficar.


Existe uma orientação no mundo artístico que, quanto mais pessoal, mais criativo. Tomando isso por princípio, o diretor cearense Guto Parente decide falar sobre parentes, especificamente sobre o pai, sem deixar o seu estilo com um pezinho no cinema fantástico aparecer.


Mas esse filme é pra entender, ou é daqueles “só pra sentir”? O estilo experimental de Parente aparece em determinados momentos, mas quase todos eles ligados pontualmente a situações oníricas, o que faz a história transitar de forma fluida entre o sensorial e a narrativa clássica de reencontros e perdões. Esse é pra entender, mas não deixa de ser pra sentir também. É os dois.


David (Lucas Limeira) flutua muito doido

Corroborando com essa sensação de “viagem massa” (definição dos próprios amigos de David sobre filmes experimentais), o trabalho sonoro de Estranho Caminho se une à trilha de trompetes e sinos dissonantes de Uirá dos Reis e Fafa Nascimento, que são mixados para flutuarem por toda a sala e assim ajudar a construir a estranheza a tensão das situações, seja em um sonho, seja ao vermos um personagem acordar na cama de um hospital.


A inclusão de arranhões de película, grãos e marcas simulando a mudança de rolos aparece no início, no sonho que David está tendo, e pode soar desconexa e gratuita, mas a volta desses mesmos efeitos no momento no qual o protagonista revisita imagem das fotos do passado com o pai dá importância ao momento e nos ajuda a desvendar o objetivo do próprio filme. A escolha da montagem de cortar rapidamente após um rápido zoom (closes de orelha, boca, olho e olho mágico de uma porta) vão fazer sentido posteriormente, quase como uma entrada do protagonista em um outro universo.


Parente é econômico e eficaz na direção: em vez de incluir um diálogo expositivo do que a companheira de David acha da situação na qual o protagonista se meteu, o diretor acerta ao mostrar apenas reação perplexa dela por ligação de vídeo em alguns segundos. Não precisamos mais do que isso para entender as emoções ali retratadas.


Olho de David (Lucas Limeira) refletindo um prédio muito doido

Além disso, é admirável a capacidade da equipe de direção e dos atores em transparecer a espontaneidade dos personagens: sejam amigos conversando em uma praia, seja uma mulher irritada tentando abrir um cadeado (“c*ralho, cadê essa chave?!“), essas situações podem até ter sido milimetricamente ensaiadas, mas sempre parecem contextos reais, ancorados em pessoas e falas que poderíamos ouvir no cotidiano.


O destaque, no entanto, vai para Carlos Francisco no papel do pai Geraldo. O ator expõe com o olhar e com a expressão corporal uma rigidez amedrontadora, algo que, unido à rapidez com a qual diz as falas, revela a complexidade daquela personalidade, alguém difícil de se entender e de conviver. Por isso é eficiente incluir o símbolo incluído do pai carregando uma espécie de escudo quando visto pela alucinação do filho no meio da rua.


Ao mesmo tempo, o personagem não se mostra completamente fechado e hostil. Existem momentos que transparece quase como se o homem tivesse vergonha ou medo de tentar se conectar ao filho, revelando interesse no rapaz, mas sem saber como fazer essa aproximação (“esse seu filme é diferente dos que eu costumava ver e dos seus outros filmes também.”, diz o Geraldo ao filho numa confissão que lhe escapa).


Dessa forma, equilibrando-se com competência entre o onírico, o doce e o espontâneo, Estranho Caminho é uma obra que encontra sua principal força na capacidade de instigar o espectador a desvendar seus símbolos e segredos, que deixam a sensação de grata surpresa ao final.


 

Nota: 4/5

cotação 4 de 5 estrelas

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