Crítica: “Abrindo o Armário” mostra como se assumir LGBT é um ato difícil, mas necessário e libertador

“Abrindo o Armário” vem na leva de vários documentários que vão a fundo na temática LGBT e que se iniciaram na última década (como “Meu Amigo Cláudia”, “Dzi Croquettes”, “São Paulo em Hi-Fi” e “Meu Corpo é Político”). Aqui os diretores, Luis Abramo e Darío Menezes, entrevistam várias pessoas LGBTs para uma reflexão sobre a saída do armário, a vivência LGBT e a importâncias de se assumir como um ato político.

Um dos entrevistados mais conhecidos presentes no filme é Linn da Quebrada (que já estava no documentário recente “Meu Corpo é Político” e em breve estreará um documentário exclusivo sobre sua vida, “Bixa Travesty”). Uma das maiores vozes na militância LGBT da atualidade no Brasil, a travesti é a primeira a falar. Não por acaso, Linn já inicia falando sobre a sua vivência enquanto Testemunha de Jeová e todas as dificuldades que passou após se assumir. Para quem não sabe, quem é desta religião e pratica algum ato “fora dos padrões exigidos por Deus”, é desassociado, expulso da comunidade. Todos os amigos de uma vida toda não podem mais nem te cumprimentar na rua e até mesmo seus parentes não são aconselhados a ter uma convivência próxima a você. Como disse, não por acaso o depoimento de Linn falando sobre sua experiência religiosa deu início aos depoimentos, pois esse é um assunto que volta à discussão várias vezes no longa-metragem: “Eu vou para o inferno? Sou pecador? Por que Deus me fez assim?” Esses são alguns questionamentos que mesmo indiretamente aparecem na maioria dos discursos dos entrevistados. Inclusive, muito próximo ao fim do filme voltamos a mais um depoimento forte sobre o assunto, de Viper Vemonus, que conta que foi trancada por seu avô, um pastor evangélico, por oito horas dentro do quarto.

Mas Linn da Quebrada não é o único rosto conhecido, Jup do Bairro, outra artista importante quando se fala de militância LGBT, tem uma boa passagem pelo documentário. É através dela que vemos os questionamentos sobre as diferenças entre periferia e centro. Jup conta que se sente muito mais à vontade em seu bairro, no subúrbio de São Paulo, do que no centro, local no qual, em teoria, a cena LGBT é mais presente e todos são ‘incluídos’. Os diretores mostram e contrastam de uma forma sutil e interessante diferentes pontos do centro de São Paulo conhecidos como gays (Arouche, região da República, rua Peixoto Gomide) e a periferia (Capão Redondo, zona leste).

O filme é feliz em proporcionar um encontro bem interessante: João Silvério Trevisan (famoso escritor LGBT); já na casa dos 70 anos, e o jovem Gabriel Kami (gamer profissional). O bate-papo dos dois é rápido, mas interessante. Eles relatam como em épocas diferentes ocorreram suas saídas do armário. Outro rosto conhecido é de um dos integrantes do antigo grupo Dzi Croquettes (que já teve um documentário contando sua trajetória). O artista fala sobre como foi estar em um grupo tão vanguardista em plena ditadura militar e nos presenteia com uma linda performance artística. Mais um nome interessante a compor os depoimentos é Artur Francischi (sim, o criador do Prosa Livre), ele faz um depoimento corajoso e dos mais emocionantes do longa. Artur conta sobre sua primeira experiência sexual e sobre todo o sentimento de culpa e questionamentos que lhe rondaram por anos. Mesmo não passando por uma experiência como a dele, não é difícil de nos identificarmos, pois todos nós LGBTs não tivemos uma instrução, um aconselhamento, uma aula de educação sexual adaptada para as nossas necessidades. Muitas vezes, apenas seguimos nossos impulsos e acabamos sendo usados por outras pessoas ou nos arrependendo de algo que não deveria ter sido daquela forma se desde o começo nos dissessem na mídia ou na escola de que “está tudo bem ser assim”.

Apesar de todos os elogios, “Abrindo o Armário” peca em não fazer uma representação total da comunidade LGBT. Temos gays, bissexuais e travestis, mas não nos é apresentada nenhuma mulher lésbica. Já sabemos que elas são uma das mais ignoradas pelo cinema brasileiro (seja na ficção ou documentário), foi uma pena os diretores terem mirado sua visão tanto para a letra G da sigla e esquecer completamente da L.

“Abrindo o Armário” é um filme sobre resistência, sobre as dificuldades de se assumir LGBT e de viver todos os dias em um país com um número alto de mortes por LGBTfobia. Mas apesar de todos os percalços, o que se nota no discurso de todos os entrevistados é o não arrependimento, a vida por completo nos olhares, a satisfação por não mais se esconder e viver sendo ‘bixa’ com orgulho todos os dias!

Como diz Jup do Bairro em uma das últimas cenas: “A gente não precisa de uma cura, a LGBTfobia precisa”.

“Abrindo o Armário” fica em cartaz na rede Cinemark até o dia 29/08 de segunda a sexta, às 19h, por R$12,00 o ingresso inteiro e R$6,00 a meia-entrada.

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